terça-feira, 20 de outubro de 2009

ABORDAGEM PEDAGÓGICA DE REGGIO EMÍLIA

Os alunos com menos de seis anos de Reggio Emilia, cidade no norte da Itália, nunca levam para casa tudo o que produzem na escola. As esculturas menores decoram vitrines do comércio local. Quando grandes, ganham destino ainda mais nobre: são colocadas em espaços públicos. Os desenhos são requisitados para ilustrar guias de pontos turísticos. E até o Teatro Ariosto, o mais importante da região, escolheu um pano pintado coletivamente por eles para ser a cortina de seu palco principal.

Não, meu amigo, você não está diante de pequenos Michelangelos. Esses bambini tão talentosos sequer têm aulas de desenho - muito menos de pintura ou de escultura. Mas, na escola que freqüentam, o tempo não é dividido por disciplinas ou atividades. Lista de habilidades a desenvolver também não faz parte da rotina. No entanto, a criatividade e a qualidade dos trabalhos desenvolvidos fizeram com que essa maneira peculiar de ensinar fosse considerada, há dez anos, a melhor do mundo pelos consultores da revista norte-americana Newsweek. E, até hoje, nenhum outro sistema atingiu o mesmo posto.

Abordagem sim, método não

Os seguidores recusam a palavra método, pois afirmam que ela remete a procedimentos planejados para conquistar reações e aprendizagens predeterminadas. “Chamamos de abordagem, pois temos como princípio respeitar a maneira de cada um aprender e, para isso, precisamos estar atentos aos caminhos que eles mesmos propõem”, explica Ana Maria Barrucci, coordenadora do Centro de Pesquisa e Difusão. Com isso, quem procurar por um método Reggio Emilia não encontrará registro, mas irá se deparar com alguns princípios que podem ser incorporados e colocados em prática.

Um deles é a crença de que o aprendizado nunca será o mesmo se alguém deixar de dar a sua colaboração. Por isso, a curiosidade e os questionamentos de todos têm valor e são decisivos na escolha dos temas dos projetos de ensino. Eles surgem da fala dos pequenos, registrada atentamente pelos professores e estudadas pela equipe pedagógica. Por isso, uma mesma experiência não pode ser repetida com diferentes sujeitos com a finalidade de produzir os mesmos resultados.

A teoria que sustenta todo esse sistema, a Pedagogia da Escuta, foi sistematizada pelo educador italiano Loris Malagguzzi, que buscou fundamentos nos estudos em Educação e Neurociências dos anos 1960 e 1970 (leia o histórico no quadro ). “Além de estar atento à fala, é preciso estar disponível e ter sensibilidade para ouvir as cem, as mil linguagens, símbolos e códigos que as crianças usam para se expressar”, explica Carla Rinaldi, consultora científico-pedagógica de Reggio Emilia.

Somente muita atenção conseguiria transformar a adoração pela estátua de um leão em projeto pedagógico; a multidão encontrada nas praias durante as férias de verão ou a dúvida sobre o equilíbrio dos objetos em tema de estudo ou, ainda, a sombra de um desenho de passarinho na parede da escola... O filósofo inglês David Hawkins, em um artigo sobre essas escolas italianas, afirmou que lá não existe um currículo para ser coberto, mas vários para serem descobertos. Uma das poucas restrições aos professores é nunca dizer nada que os alunos não possam ver, distinguir ou opinar.
Registros detalhados

Para melhor escutar, os colegas de Reggio Emilia trabalham em dupla - são dois pedagogos por turma, não um profissional e um auxiliar ou estagiário. Anotar, fotografar, gravar e filmar são parte fundamental da rotina. Essa documentação será analisada pela equipe para a proposição de novas experiências. “São eles que lançam a bola. Nós devemos pegá-la e devolvê-la, de modo que queiram continuar brincando conosco, criando outros jogos enquanto terminamos o primeiro”, ilustra Ticiana Filippini, coordenadora dos educadores de Reggio Children.

Essa observação talvez seja um dos aspectos mais difíceis dessa abordagem, pela multiplicidade de trabalhos que surgem. Em uma turma de vinte alunos, podem existir quatro ou cinco projetos diferentes, desenvolvidos por grupos menores. Esses mesmos estudantes ainda exploram um segundo tema em dupla e trabalham com outras classes ou mesmo com toda a escola. E, apesar da profusão de atividades, cada tema deve ser trabalhado em profundidade. Nenhuma atividade termina em si mesma. A existência de várias etapas para concretizar um projeto leva o grupo a fazer conexão entre as experiências e a explorar diversas possibilidades.

O projeto Retrato do Leão, por exemplo, um dos expostos na mostra, começou com a adoração pela estátua do animal da praça vizinha à escola. Ao decidir retratá-lo, foi agendada uma visita ao local para observação da escultura e interação com ela. Foram tirados moldes de suas formas, feitos contornos de sua sombra e desenhos de diferentes ângulos - até imaginaram como o leão estaria “vendo” a praça. Na classe, hora de confeccionar máscaras e fantasias, experimentar a sensação de ser o próprio animal, perseguir os colegas e ser perseguido por eles, interagir com sua imagem usando filmes e slides. Ao mesmo tempo, os alunos desenvolveram projetos da representação do bicho usando argila e pintura.

Um projeto assumido por todos os estudantes da Escola Villeta foi a montagem de um parque para passarinhos, o Luna Park, pois eles haviam se penalizado com a falta de diversão para as aves da cidade. O esboço, a maquete e a montagem do projeto foram realizados somente depois da pesquisa em diversos moinhos e parques de verdade, para observar o funcionamento dos brinquedos que seriam criados, como a roda gigante e a fonte, entre outras atrações.

Linguagem visual

Aproximar-se da abordagem de Reggio Emilia significa descobrir tudo o que a linguagem visual pode oferecer. Não se estimula a ler e a escrever, mas isso não significa que a escrita não possa ser utilizada como mais uma das formas de expressão, quando houver necessidade. “A linguagem visual é espontânea na infância”, afirma Ana Maria Barrucci.

Por isso, em todas as unidades de Reggio Emilia existe um profissional formado em Arte que fornece diversas opções de técnicas e materiais. Eles são coordenados por Vea Vecchi, ganhadora do Prêmio Lego no ano passado, considerado o Nobel da Educação, o mesmo recebido nos anos 90 por Loris Malagguzzi.

Por que as produções têm tamanha qualidade e sofisticação? Ana Maria acredita que elas são fruto de um trabalho conjunto e do estímulo à observação: “A riqueza de detalhes está na soma da visão de vários indivíduos, que enxergam diferentes facetas da realidade a constróem coletivamente”.

Obs.: Matéria cedida pela Revista Nova Escola
Site: www.novaescola.com.br

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